Martinho estava sentando em sua cama olhando as paredes de
seu quarto, não conseguia dormir, vi-as descascar dia após dia, mas nada fazia
para isso mudar, olhava com atenção a rachadura que ia de sua janela até a
prateleira cheia de livros velhos, que nunca tinha lido apenas os possuía na
esperança de um dia começar a ler, a xícara de chá quente fumegava em suas mãos
e o cheiro doce do chá de hibisco invadia suas narinas entupidas pelo catarro
decorrente da gripe que pegara, sua mãe havia lhe dito que o sereno faria mal e
ele nem ligava, a febre o fazia suar e ter calafrios, Martinho não compreendia
tal paradoxo. Ainda sentado em sua cama o jovem observava a poeira que cobria
os seus livros e deseja volta e meia ser apenas um grão de poeira que é soprado
de lá pra cá, pelo vento, sem compromissos com nada e nem ninguém e sem se
perguntar se estaria a incomodar a senhora da casa, a poeira agasalhava seus
livros bem como o cobertor seu corpo, o suor continuava e o chá já não fumegava
mais, resolveu bebê-lo, sentiu o sabor azedo em sua boca e arrepiou-se como
quem se arrepia a chupar um limão. Martinho olhou pra sua mesa de estudos e
lembrou-se de tudo que ainda precisava ler e aprender e só de pensar já não
queria mais, já estava cansado, só queria ser um grão de poeira, tudo isso
passou por sua cabeça em uma fração de segundos que duraram anos, o que
Martinho queria de verdade é como eternizar.
Bebeu metade do seu chá pôs a xícara no chão, ao lado da cama e
deitou-se e pôs a observar a lâmpada queimada de seu quarto, ele começou a
perceber o quanto ele e aquela lâmpada tinham em comum, era incrível como um
objeto inanimado trazia consigo tanto de uma pessoa, Martinho se viu naquela
lâmpada como uma mulher que vê seu reflexo no espelho, O jovem permanecia
apagado, sempre apagado, mas sabia que em si assim como na lâmpada, já havia
reinado a luz, um dia talvez, quem sabe, Martinho troque a lâmpada, mas ele
sabia que não podia trocar-se. Adormeceu e sonhou, sonhou ser um grão de
poeira, sem obrigações, sem preocupações, sem sentimentos e nenhuma daquelas
frívolas complicações humanas, talvez um dia assim o fizesse bem.
O dia passou sem a observação de Martinho que dormia de
forma pesada, nem as batidas da sua mão na porta o acordaram nada o acordaria,
já não estava mais ali. A noite iniciou-se doce e calma assim como todas as
noites, e bem no iniciou da madrugada o jovem despertou ironicamente cansado de
ter dormido tanto, espreguiçou-se coçou as axilas e cheirou os dedos, cheiro
horrível, suara durante o sono suara tanto que acabara molhando a roupa que
vestia e os lençóis, levantou-se da cama silenciosamente e começou a perceber o
quanto escura estava seu quarto, abriu a porta do quarto silenciosamente,
impedindo-a de ranger, olhou para o céu e deparou-se com uma grande lua que
parecia lhe observar, pegou a toalha no quintal, foi até o banheiro, despiu-se
e olhou para seu corpo, parecia mais magro, toucou-se passou um bom tempo
diante do espelho discutindo mentalmente com seu reflexo coisas malucas de um
universo infantil, tocou o rosto, que parecia ter envelhecido muito desde a
última vez que se olhou, aproximou-se do espelho e beijo-o como se beijasse a
si mesmo, um beijo longo e insano na superfície fria que repetia seus atos e
retribuía-lhe o beijo com a mesma intensidade e carinho apesar da frieza
sentida pelos lábios, Martinho cessou o beijo
limpou a saliva com as mãos e voltou a se olhar, e voltou a perceber-se
patético após o ato, era como masturbar-se contemplando as mulheres das
revistas masculinas sabendo que nunca as teria, ele nunca abraçar-se-ia por
mais que desejasse, tocou o rosto do reflexo como quem acarinha a namorada e
pensou consigo mesmo pra onde iria quando tudo aquilo acabasse, onde acabaria
quando a juventude cessasse e as dores começassem a devorar-lhe os ossos e a
catarata comer-lhe os olhos, quando esse loucura iria acabar aonde tudo isso ia
dar, não entendia , simplesmente não se compreendia, a partir desse momento sua
mente passou a trocar de pensamentos com a velocidade com que se rouba, ágil e
furtivamente, uma velocidade que nem mesmo o próprio Martinho tinha condição de
acompanhar, aquilo era confuso, mas afinal de contas o que não era confuso para
ele. Sentiu uma vontade de masturbar-se como se com a ejaculação pudesse botar
pra fora os pensamentos junto com o
sêmen, entrou debaixo do chuveiro, ligou a torneira e deixou a água cair em seu
corpo. A água gelada escorreu por suas costas e fez ele contorcer-se, depois
que foi se acostumando aquela temperatura começou a relaxar seu corpo e
permitir que o líquido tomasse conta de seu corpo e invadisse as rugas de seu
corpo encharcando também seus pelos abundantes, pegou o sabonete, esfregou em
suas axilas, e partes intimas, depois em seu rosto, fez tudo automaticamente,
sem pensar em nada, limpou o suor do corpo e a água fria fez com que os
pensamentos sumissem de sua cabeça por um tempo, após o banho, enxugou-se foi
para o quarto vestiu um a das velhas cuecas folgadas deitou-se na cama e
acariciou a própria barriga, sentindo os pêlos em volta de seu umbigo fundo, e
relaxando sobre os lençóis ainda aquecidos, a madrugada parecia não passar, a
lua ainda brilhava no céu e parecia não querer ceder espaço para o sol, a lua
parecia não querer morrer, não queria nascer e durar uma noite apenas, é muito
pouco, chega a ser patético, Martinho levantou-se rapidamente e olhou a lua
mais uma vez antes de voltar a deitar, ele parecia ter sentido o que a lua
sentia, é patético nascer e viver uma só vida, chega a ser patético viver.